Guillermo del Toro finalmente tirou do papel seu Frankenstein depois de décadas de planos, e o resultado chegou aos cinemas selecionados e à Netflix carregando o estilo visual que já virou marca registrada do diretor. A fotografia ficou nas mãos de Dan Laustsen, parceiro de longa data de del Toro, e juntos eles criaram um filme que abraça a escuridão sem medo, apostando em contrastes extremos, cenários gigantescos e efeitos práticos sempre que possível. Laustsen conta que reencontrar o cineasta depois de longos intervalos entre produções sempre soa como voltar para casa, já que os dois têm a mesma sensibilidade para luz e cor.
A versão de Frankenstein idealizada por del Toro ganhou forma de verdade somente após O Beco do Pesadelo, quando o diretor decidiu que aquele seria seu próximo projeto. Ao ler o roteiro, Laustsen percebeu que não se tratava apenas de mais uma adaptação do clássico de Mary Shelley, mas de uma interpretação profundamente emocional. Para ele, o filme é essencialmente uma história sobre amor e perdão, muito mais romântica do que aterrorizante, o que guiou toda a construção estética.

Visualmente, del Toro e Laustsen definiram uma paleta marcada pelo contraste entre “âmbar e azul aço”, explorando luz única, sombras profundas e movimentos amplos de câmera em meio aos cenários grandiosos criados por Tamara Deverell. Para reforçar essa dramaticidade, todo o filme foi gravado na Alexa 65, inclusive as cenas com Steadicam, algo incomum devido ao peso do equipamento. A câmera, combinada com lentes Leica Thalia de grande angular, permitiu compor enquadramentos profundos que começam abertos e terminam em closes sem perder naturalidade, com a textura clássica do 70mm.
O objetivo de del Toro era fazer um Frankenstein quase totalmente artesanal. Não há cenas gravadas em tela azul; tudo foi construído fisicamente do navio montado em escala real sobre um gimbal ao castelo destruído com miniaturas. Até a famosa cena de criação da criatura foi filmada com recursos práticos, combinando pôr do sol artificial, chuva real, fumaça, vapor e relâmpagos produzidos no estúdio. Laustsen admite que foi uma das sequências mais desafiadoras que já fez, mas destaca que a complexidade só reforça a vida do filme na tela.

As referências não vieram de outras adaptações da obra, mas de pinturas de Caravaggio e do artista dinamarquês Vilhelm Hammershøi, além de um toque de Barry Lyndon, especialmente nos castelos onde também foram gravadas cenas do filme de Kubrick. Mas, apesar das inspirações, del Toro seguiu seu próprio caminho: preferiu sombras mais duras, cores menos realistas e um movimento constante de câmera, exigindo que toda a iluminação viesse de fora dos cenários para permitir tomadas de 300 graus sem interrupção.
Mesmo em tempos de ressurgimento da película, Frankenstein foi filmado digitalmente, em parte porque del Toro gosta de acompanhar tudo de perto. Ele edita cenas diariamente, revisa cortes logo após as filmagens e evita refilmagens, algo que só é possível com o controle oferecido pelo digital. Laustsen, que viveu toda a época do 35mm, entende o charme do filme, mas não sente falta dos riscos de laboratório e das limitações técnicas do passado.

Embora a Netflix reduza a presença do filme nas telonas, o diretor de fotografia não se incomoda com o fator streaming, acreditando que o alcance maior compensa. Ainda assim, ele recomenda que o público veja o longa da maneira mais cinematográfica possível. Ao assistir Frankenstein em IMAX poucos dias antes do lançamento, Laustsen disse ter sentido o mesmo arrepio que o motivou desde o começo da carreira: o de um grupo inteiro, em uma sala escura, vivendo a mesma emoção que guiou a equipe por meses.
Seja na TV, no computador ou de preferência, em uma tela gigante, Frankenstein de Guillermo del Toro chega como uma releitura ousada, cuidadosamente construída, que usa a técnica para elevar o sentimento. Um filme que revive um clássico sem perder de vista o que realmente o mantém vivo: sua humanidade.
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