O anúncio de que um sétimo paciente foi curado do HIV após receber um transplante de células-tronco reacendeu o otimismo em torno de novas possibilidades de tratamento. O caso traz um detalhe intrigante: desta vez, o doador não tinha as duas cópias da mutação genética que oferece resistência natural ao vírus, algo considerado essencial nos casos anteriores. Mesmo assim, o transplante funcionou, abrindo espaço para novas perguntas e, quem sabe, mais respostas no futuro.

Hoje, o HIV deixou de ser uma sentença de morte em países com acesso a medicamentos modernos. Com tratamento contínuo, pacientes conseguem viver de forma plena e com expectativa de vida semelhante à da população geral. Ainda assim, continuam dependentes dos antirretrovirais e vulneráveis a interrupções no tratamento, algo que já afetou milhões de pessoas. Por isso, um verdadeiro “cura funcional” sempre foi o objetivo distante, mas possível.
Essa possibilidade começou a ganhar forma ainda em 2008, quando Timothy Ray Brown, o famoso “Paciente de Berlim”, recebeu dois transplantes de medula para tratar leucemia mieloide aguda. O sucesso inesperado veio porque o doador carregava uma mutação rara chamada CCR5 Δ32 em ambas as cópias do gene responsável pelo receptor CCR5, porta de entrada usada pelo HIV para infectar células do sistema imunológico. Essa alteração impede o vírus de avançar, e o transplante acabou substituindo as células vulneráveis de Brown por células naturalmente resistentes. Desde então, ele permanece livre do HIV.
Outros casos semelhantes surgiram ao longo dos anos, sempre envolvendo transplantes destinados ao tratamento de câncer, e sempre com doadores portadores da mutação dupla.
Mas esse novo paciente, identificado apenas como B2, um homem de 60 anos de Berlim, tem uma história diferente. Diagnosticado com HIV em 2009 e com leucemia em 2015, ele recebeu células-tronco de um doador que tinha apenas uma cópia da mutação protetora. E mesmo assim, seis anos após interromper os antirretrovirais, nenhum sinal do vírus foi encontrado em seu organismo.
A descoberta chama atenção porque pessoas com apenas uma cópia da mutação não costumam apresentar qualquer resistência significativa ao HIV. Inclusive, o próprio B2 tem essa mesma configuração genética e ainda assim foi infectado no passado. É justamente esse paradoxo que intriga os cientistas: por que, após o transplante, a proteção funcionou? E, mais importante, isso poderia se repetir?
A resposta ainda não está clara. Se essa única cópia for realmente suficiente para “blindar” o organismo quando combinada a um transplante, o número de doadores compatíveis aumentaria muito, já que o grupo com apenas um alelo resistente é bem maior do que aqueles com a mutação dupla. Por outro lado, especialistas alertam que esse caso pode ser uma exceção. Outro paciente já havia sido curado sem qualquer presença da mutação CCR5 Δ32, o que sugere a existência de mecanismos ainda desconhecidos atuando nesses processos.
O estudo que descreve o caso de B2 foi publicado na revista Nature junto com outras pesquisas que avançam na busca pela cura. Uma delas testou uma combinação de imunoterapias em pacientes com HIV, conseguindo manter o vírus em níveis baixos mesmo após a suspensão dos antirretrovirais em sete dos dez participantes. Outra investigação identificou pistas para melhorar esse tipo de tratamento combinado no futuro.
Por enquanto, os transplantes continuam sendo um procedimento caro, arriscado e indicado apenas para quem enfrenta cânceres graves, não uma alternativa viável para todos os pacientes com HIV. Ainda assim, cada nova cura comprovada amplia o mapa do que é possível.
E a história de B2, mesmo cercada de dúvidas, reforça a esperança de que a ciência está cada vez mais perto de transformar exceções em soluções acessíveis e definitivas, para milhões de pessoas.
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